Hondt, círculos eleitorais e as contas de 2011
Antes das 19 horas e das primeiras sondagens à boca da urna, aqui ficam algumas das minhas razões para ser opositor ao actual esquema representativo parlamentar, ao método de eleição via círculos eleitorais e conversão de votos em mandatos via método de Hondt.
Primeiro ponto, curto e grosso: num país não regionalizado não faz qualquer sentido a existência de círculos eleitorais. Não se vota pela lista do partido para o nosso círculo, vota-se no partido e no seu programa eleitoral nacional.
Por consequência, o método de Hondt, embora válido no sentido de facilitar o cálculo dos “restos” que o método da Quota de Hare introduz e que D’Hondt resolve integrando método divisor, não promove real representatividade num círculo nacional único e remove mandatos a partidos de menor dimensão que obtiveram votos suficientes para serem representados no parlamento. Este é, ainda assim, o ponto em que assumo maior flexibilidade na minha discordância pelo simples facto de que todos os métodos possíveis são também passíveis de críticas válidas quanto à real representatividade que apresentam.
Por fim, a maior das minhas insistências: a abstenção tem que ter impacto no parlamento. Ignorar o fenómeno crescente da abstenção é ignorar a descrença dos povos na democracia representativa.
Peguei nos números de 2011, números globais retirados de fonte governamental, aqui.
Estavam inscritos 9624133 eleitores. Votaram 5588594, ou seja, 58,07%.
Há 230 mandatos/lugares no parlamento.
As coisas ficaram organizadas da seguinte forma:
Partido | Votantes | Mandatos | % no parlamento |
PPD/PSD | 2159742 | 108 | 46,96% |
PS | 1568168 | 74 | 32,17% |
CDS-PP | 653987 | 24 | 10,43% |
PCP-PEV | 441852 | 16 | 6,96% |
BE | 288973 | 8 | 3,48% |
PCTP-MRPP | 62683 | 0 | 0,00% |
PAN | 57849 | 0 | 0,00% |
MPT | 22690 | 0 | 0,00% |
MEP | 21936 | 0 | 0,00% |
PNR | 17742 | 0 | 0,00% |
PTP | 16811 | 0 | 0,00% |
PPM | 15081 | 0 | 0,00% |
PND | 11776 | 0 | 0,00% |
PPV | 8205 | 0 | 0,00% |
POUS | 4604 | 0 | 0,00% |
PDA | 4532 | 0 | 0,00% |
P.H. | 3590 | 0 | 0,00% |
Brancos | 148378 | 0 | 0,00% |
Nulos | 79995 | 0 | 0,00% |
Total de Mandatos | 230 |
Atentem na percentagem de deputados no parlamento que cada partido obteve.
Agora atentem na discrepância relativa à real percentagem de votos que cada partido obteve tendo em conta o total de votos depositados em urna:
Partido | Votantes | Percentagem dos Votantes |
PPD/PSD | 2159742 | 38,65% |
PS | 1568168 | 28,06% |
CDS-PP | 653987 | 11,70% |
PCP-PEV | 441852 | 7,91% |
BE | 288973 | 5,17% |
PCTP-MRPP | 62683 | 1,12% |
PAN | 57849 | 1,04% |
MPT | 22690 | 0,41% |
MEP | 21936 | 0,39% |
PNR | 17742 | 0,32% |
PTP | 16811 | 0,30% |
PPM | 15081 | 0,27% |
PND | 11776 | 0,21% |
PPV | 8205 | 0,15% |
POUS | 4604 | 0,08% |
PDA | 4532 | 0,08% |
P.H. | 3590 | 0,06% |
Brancos | 148378 | 2,66% |
Nulos | 79995 | 1,43% |
O cálculo é básico e permite que se observe de forma simples a potenciação da representação dos partidos com maior incidência de votos em detrimento dos partidos que obtiveram um resultado global que lhes deveria permitir uma voz, ainda que mínima, no parlamento.
E se abstenção tiver efeitos directos no número de mandatos atribuídos? Porque não? Porque não usar a abstenção como arma efectiva contra o sistema político vigente? Porque não uma regra simples de atribuição de lugares parlamentares de acordo com o número real de votantes? Vamos usar 2011 como exemplo.
230 mandatos para 9624133 eleitores? Só 58,07% dos eleitores participaram na votação? Isso representa 134 mandatos. Regra de 3 simples.
Obviamente que isto implica uma limpeza coerente e recorrente dos cadernos eleitorais, mas não é isso que qualquer sistema democrático deveria garantir de qualquer forma?
Então e se acabarmos com os círculos eleitorais e se for a votos uma lista nacional, única, encabeçada pelo candidato a primeiro ministro? E se a conversão de votos em mandatos for feita de forma directa e não através do método de Hondt? E se os brancos e nulos, votos de protesto por natureza, forem representados na mesma percentagem por lugares vazios no parlamento?
Como teriam ficado os tais 134 lugares de 2011 atribuídos mediante participação popular? Assim:
Partido | Votantes | Percentagem dos Votantes | Mandatos |
PPD/PSD | 2159742 | 38,65% | 52 |
PS | 1568168 | 28,06% | 37 |
CDS-PP | 653987 | 11,70% | 16 |
PCP-PEV | 441852 | 7,91% | 11 |
BE | 288973 | 5,17% | 7 |
PCTP-MRPP | 62683 | 1,12% | 1 |
PAN | 57849 | 1,04% | 1 |
MPT | 22690 | 0,41% | 1 |
MEP | 21936 | 0,39% | 1 |
PNR | 17742 | 0,32% | 0 |
PTP | 16811 | 0,30% | 0 |
PPM | 15081 | 0,27% | 0 |
PND | 11776 | 0,21% | 0 |
PPV | 8205 | 0,15% | 0 |
POUS | 4604 | 0,08% | 0 |
PDA | 4532 | 0,08% | 0 |
P.H. | 3590 | 0,06% | 0 |
Brancos | 148378 | 2,66% | 4 |
Nulos | 79995 | 1,43% | 2 |
Total de Mandatos | 134 |
E o que podemos retirar daqui?
- A coligação entre PSD e CDS-PP continua maioritária com os seus 68 mandatos para os 134 lugares, não se desvirtuando em nada a vontade popular de 2011 de ter a direita em maioria no parlamento.
- Quatro novos partidos teriam um representante no parlamento. Quatro novas vozes, quatro novas opiniões com maior visibilidade.
- Maior abertura e incentivo do sistema democrático à representação da vontade popular legitimada pelo voto em partidos de menor expressão mas ainda assim suficiente para ser ouvida.
- Representação da abstenção, votos brancos e votos nulos com efeitos práticos.
Seria também interessante perceber que o sistema só seria legítimo se 50% dos eleitores inscritos fosse efectivamente depositar o voto na urna. Uma percentagem inferior representa uma descrença no sistema representativo actual e deverá ser suficiente para que o mesmo seja analisado e ajustado de forma a que o povo sinta que um voto é um elemento útil na construção democrática do seu país.